A segunda temporada de True Detective possuía uma ingrata missão desde o momento em que foi confirmada: alcançar a excelente trama de seu ano de estreia. O grande frisson causado sobre a obra de Nic Pizzolatto atraiu espectadores e gerou enorme expectativa para os oito episódios que contariam a empreitada de três policiais e um mafioso em busca de respostas para um estranho assassinato na cidade de Vinci, tão corrupta quanto fictícia. Este alto grau de expectativa talvez tenha prejudicado a temporada recém-encerrada.
Que ela é inferior à primeira, isto é inquestionável. A história não é tão envolvente, as atuações não são tão marcantes e o truque do quarto episódio, que mais uma vez traz uma sequência impactante, não funciona tão bem. Mas, ainda assim, tem alguns pontos interessantes.
O mais importante deles é em relação a parte do elenco. Se não há o brilhantismo de McConaughey, Rachel McAdams se saiu muito bem, obrigada, na pele de uma policial durona e infeliz com seu passado, personagem bem diferente dos papéis açucarados que costuma encarar na maioria dos filmes que participou. Colin Farrell, por sua vez, se saiu bem na pele do ambíguo Ray Velcoro, mas sem brilhar. O ponto fraco do trio protagonista foi o inexpressivo Taylor Kitsch, para quem não se lembra dele, o que não é condenável, ele interpretou o Gambit no filme X-men Origins. É por isso que a maioria não se lembra dele.
Após um início um tanto oscilante, a segunda temporada de True Detective botou a cabeça no lugar e decidiu mostrar para todo mundo com quantas cicatrizes psicológicas se constrói uma atmosfera noir, conseguindo fazer a narrativa e o clima mórbido e pesado caminharem de forma cada vez mais fluida. Omega Station, o episódio que encerra a jornada, é um desfecho à altura de tudo que se construiu aqui: intenso, incrível, cruel, e sem a covardia do final feliz.
Apesar de inevitável, a comparação entre as duas temporadas da série é complicada e sempre presente. Tirando o estilo visual da abertura, as frases de efeito e a fotografia sombria, a maior conexão entre elas é o fato de retratarem uma investigação policial, sempre com aquele clima de conspiração no ar. Isso, no entanto, não significa que a trama desse ano não ficou devendo. Arrastada em sua primeira metade, a história ganhou dinâmica nos quatro episódios finais e teve um desfecho satisfatório.
Com inúmeras subtramas e diálogos desnecessários, foi difícil para True Detective embalar. Além disso, a série demorou muito para começar a remexer os dramas pessoais dos quatro personagens. Se priorizasse a construção psicológica de seus protagonistas, essa temporada teria sido menos cansativa até seu ponto de virada, o impressionante tiroteio na cena final do quarto episódio, Down Will Come.
Não à toa Velcoro e Bezzerides só começam um “caso” em um ambiente perfeitamente selado, sufocante, onde não há como o mundo exterior entrar – a troca de intimidades e confissões acontece em cenas que alternam entre a fotografia mais íntima (os tons pastéis, quando está tudo fechado) e uma mais fria e estéril (quando as janelas são abertas e ambos precisam encarar que a porra toda foi para o espaço). É como se o romance não sobrevivesse debaixo do sol (sim, eles tentam ficar juntos, mas não rola nada depois que saem do quarto). Do outro lado, Frank despenca na racionalização descontrolada para não ir embora com a esposa, metralhando uma série de justificativas que parecem servir mais para ele do que para ela.
Mesmo com esses problemas, a season finale e o desfecho do segundo ano de True Detective são bons e convincentes. A atmosfera desolada e dramática que permeou toda a temporada chegou ao ápice em um final realista e sangrento. Como adiantou o episódio anterior, Black Maps and Motel Rooms, nenhuma boa ação foi recompensada e ninguém teve o benefício da sorte. Até mesmo para Bezzerides e Jordan Semyon, as únicas do grupo que se salvam, o futuro é incerto e perigoso.
Velcoro e Frank também tiveram a chance de fugir, mas sucumbiram aos seus pontos fracos: Ray sofre uma emboscada quando visita o filho; Frank é esfaqueado na tentativa de manter o terno em que tinha escondido todo o dinheiro que lhe restava; Woodrugh, que não foi capaz de suportar a possibilidade de sua homossexualidade vir à tona, foi outra vítima dele mesmo.
A partir dos últimos três episódios, as peças vêm se encaixando, a ação ganhou impulso e o suspense crescente sinaliza um final no mínimo interessante. O atual quarteto errático certamente não conquistou a mesma simpatia do público que Rust e Martin — ainda que Colin Farrell, Vince Vaughn e Rachel McAdams tenham emprestado consistência a seus papéis. No final das contas, o grande pecado de True Detective foi que, temendo cair na repetição, fugiu demais da ideia original.
O grande mérito de True Detective é que mesmo sem repetir a trama perfeita e a narrativa interessante da primeira temporada, o segundo ano da série ainda foge dos clichês e do estilo do restante dos enredos policiais. Normalmente este tipo de história se preocupa apenas em explicar quem é o assassino, sua motivação e o que ele fez. Nic Pizzolatto, no entanto, se preocupa em relatar como tudo aconteceu. No fim desta temporada, por exemplo, o algoz de Ben Caspere é um dos fatos menos relevantes. E é por isso que o criador de True Detective insiste em uma progressão lenta, interpretações dramáticas e uma trama bastante complexa, exigindo muita paciência e atenção dos espectadores. Numa época em que muito se investe em plot twists que destroem boas histórias, ele consegue valorizar sua obra sem abrir mão da surpresa, mesmo que dê dicas do final durante toda a trama.