Conversava por telefone, há algumas semanas, com um amigo residente na cidade de São Paulo. Falávamos sobre assuntos diversos, mas por alguma razão ele comentou sobre um conjunto habitacional que havia visitado recentemente no qual havia área comercial com Padaria, Mercado, Segurança, Lan-House e outros serviços variados. Ele continuou comentando sobre o provável valor dos terrenos e como era coisa para “gente abastada”, mas eu já estava pensando sobre outro assunto: a que ponto chegou nossa descrença na organização e soberania do Estado Brasileiro.
Antes de chegar lá, vamos dar uma breve revisada sobre um modo de organização social que marcou a história da Europa no século IV: O Feudalismo.
O Feudalismo é identificado por características muito complexas: há as relações servís, a agricultura de subsistência, a economia baseada em escambo e sem comércio, a estrutura baseada em clero, nobreza e vassalos, etc. Todavia gostaria de usar aqui somente as razões para seu surgimento. Com a decadência e destruição do Império Romano nos idos de 400 a 500 d.C., em virtude das diversas invasões dos povos bárbaros e das péssimas políticas econômicas adotadas, várias regiões européias passaram a apresentar baixo desenvolvimento urbano e decadente densidade populacional. Os nobres romanos começaram a se afastar das grandes cidades, já que o estado já não provia a segurança adequada, levando consigo os seus camponeses que trabalhavam nos campos. Uniram-se e começaram a criar uma nova organização econômica e política: a tão conhecida estrutura feudal.
Todos os dias que abro o jornal ou ligo o rádio me deparo, essencialmente, com dois assuntos: a violência e a corrupção. O cidadão brasileiro já não se sente mais seguro pela proteção provida pelo estado através do sistema policial, frente ao avanço da violência e das organizações criminosas. O sistema judiciário e administrativo já há tempos sofre com a descrença em virtude da corrupção e do egoísmo. A diferença agora é que a classe média tem percebido a mensagem passada pelos nossos líderes: a lei nessa selva é a do “cada um por sí e Deus por todos”. A solução? Juntar-se com outros que partilham dessa sensação, construir conjuntos habitacionais equipados com tudo que é necessário para a vida urbana e proteger-se do mundo de fora, saindo deles o mínimo possível.
Não me espantaria se logo surgissem nesses pequenos “feudos” protegidos da desorganização social que os cerca, os serviços mais avançados para a construção de sociedades como templos religiosos, hospitais e escolas privadas. A única coisa que impede a eventual construção de delegacias é que esse serviço ainda não foi privatizado, mas veja bem: temos empresas de segurança privada, não é? Parece claro que as atitudes do cidadão levam lentamente para fenômenos como esse, onde evitem ao máximo distanciar da segurança dos muros altos e eletrificados.
É claro que Estado Brasileiro como organização nunca vai decair e acabar como Roma, pelo menos não tão cedo. Ele vai muito bem, obrigado: obeso frente ao banquete oferecido pelo contribuinte, enquanto nas suas entranhas abriga-se a Mídia oferecendo o velho e inebriante “pão e circo” para o povo. Todavia o Estado como ideia mostra-se apodrecido e corroído aos olhos do cidadão, e ainda que acatando com a organização da nossa política pública, sabemos que no final das contas vivemos um país muito diferente daquele que desfila nos holofotes. Como em Roma, nossos Nobres fogem das cidades sem alarde, sem gritar: – “O Estado cai!”, mas sim dizendo: – “Só estamos indo alí, passar um verão no campo, tirar umas férias da cidade grande, está tudo bem com o Império! Continuem assim, nós te amamos!”. Veremos.