Mulheres Gamers: uma história de luta

– “Pega leve que ela é menina”

Algum babaca que você conheceu

E lá vamos nós para mais um daqueles assuntos que eu sinto estar malhando em ferro frio, achando que não adianta tentar fazer a galera se tocar, mas dia vai dia vem me incomoda cada vez mais. Não tô aqui pra falar sobre machismo ou feminismo, mas sim sobre o mau e velho preconceito e a dificuldade de aceitar o diferente. Vamos falar sobre garotas, jovens e mulheres que têm como passatempo os jogos e as experiências que elas acabam tendo num ambiente que, pra quem ainda vive nas cavernas, parece continuar pertencendo ao mundo masculino.

Já é um fato há longo tempo consumado: em cada servidor e em cada partida sendo disputada, a probabilidade de haver pelo menos uma mulher é grande, muito grande. Ah, você não percebeu? Isso tem uma razão: muitas vezes elas acabam tendo que deixar o microfone desligado ou usar um nick neutro. Sim, muitas vezes elas são praticamente obrigadas a permanecer no anonimato, correndo o risco de ao serem identificadas como mulheres sofrerem com a torrente de preconceito. Entre o assédio moral das cantadas de um lado e os xingamentos de newbie do outro, as garotas têm tido que aguentar muita palhaçada online.

– “Quando eu conseguia alguma coisa, por mérito meu, perguntavam como eu tinha conseguido e tal (como se eu não fosse capaz mesmo) ou então quando foram me colocar no grupo pra fazer PvE e souberam que eu era mulher, falaram que eu não poderia ser a healer e tal.. porque eu iria estragar a party…

Carolina

Isso talvez tenha raízes lá na década de 80… diabos, isso talvez tenha raízes lá na divisão do trabalho por gênero do Homo sapiens do Paleolítico! O fato é que a infeliz divisão cultural entre as “coisas de menina” e as “coisas de menino” acabou, nos idos de 1990, deixando os games como pertencente à área deste último.  A velha equação do meninas = bonecas e meninos = carrinho, como todos sabemos, nunca foi boa pra nenhum dos lados, mas as mulheres sofreram um bocado ao serem consideradas o sexo frágil – e nos games não seria diferente. Só vermos as propagandas da década de 90 e constatarmos que o público feminino era praticamente ignorado.

Mas depois de alguns anos a coisa foi mudando de figura. As empresas começaram a enxergar o potencial de mercado nas gamers e trouxeram um novo tipo de preconceito: o do “Jogo para Meninas”. Caixas cor-de-rosa, pôneis, Barbie, glitter… Enquanto as franquias de esportes, violência e aventura continuavam no “lado azul da força”, às garotas eram reservados os jogos com apologias escrachadas à fragilidade e doçura, com direito a muitos coraçõezinhos. Ainda hoje costumo escutar que The Sims, por exemplo, é “jogo de mulher”. Certa vez ouví um cara falar que gostava do jogo e, fuzilado pelos acusadores olhares dos outros homens sentados à mesa, completou: – “Mas era só pra colocar eles na piscina e tirar a escada!”. Sei.

Mas bem, finalmente chegamos no período onde estamos. As bravas gamers ignoraram as insistentes tentativas alheias de definirem suas preferências a partir de um molde sexista batido, vieram então jogar Mortal Kombat, Street Fighter, Call of Duty e Halo. Vieram inclusive para o ciberesporte, ambiente que até alguns poucos anos atrás era completamente dominado pelos garotos. Atualmente é super comum haverem line-ups femininas em diversas equipes de peso internacional, com reconhecida qualidade nos torneios mundo afora.

“O pessoal acha que por ser mulher a gente tem menos capacidade, que por mais que nos esforcemos nunca vamos jogar como os homens, daí sempre rola as piadinhas do tipo ‘vai lavar louça’ ou ‘volta pra cozinha’.”

 

Nenenxinha (Ciberatleta de Dota 2 pela line-up da PaiN Gaming)

Qual será o motivo de tanta hostilidade? As explicações não fogem muito à regra geral do preconceito:  todos eles nascem do medo que sentimos ao contato com o desconhecido, criando uma barreira entre “eu” e “o estranho”. Há um período na infância da descarada hostilidade entre meninos e meninas, provavelmente todos nós já passamos por isso – basta lembrar do filme dos Batutinhas!! Mas com o desenvolvimento da personalidade, da descoberta das diferenças e da sua devida significação e simbolização, passamos a aceitar o diferente com tanta naturalidade a ponto de passarmos a adolescência correndo atrás do outro sexo (ou do mesmo que o nosso, a questão é finalizar com a rivalidade). Isso, claro, em um caso de desenvolvimento sadio. Caso contrário temos os machões que menosprezam a mulher por puro medo irracional, fruto da  incompreensão do feminino, ou o triste inverso: gentlemans patológicos que travestem o preconceito com cavalheirismo desmedido. Passam a vida com 6 anos no clube do bolinha.

Não deve ser fácil para nossas amigas gamers lidarem com essas situações. Muitas inclusive até param de jogar, sendo que o esforço para se divertir acaba não compensando. Por sinal: as mulheres jogam por se divertirem jogando. Elas não querem invadir o espaço masculino, queimando soutiens e dançando nas ruas, muito menos querem pagar de nerd pra conseguir homem. Desvencilhem-se dessa visão de mundo colonialista e androcêntrica!! Antes de mais nada, garotas são pessoas e indivíduos, com características únicas e objetivos próprios.

Eu sou uma gamer;
Eu jogo no PC, GameCube, PSP, iPhone, PS3, XBOX, Wii e Atari;
Eu sou Mario, Gordon Freeman, Link, Master Chief, Sonic, Megaman, e B.J. Blazkowicz;
Eu sou uma Blood Elf Hunter level 85;
E eu sou uma mulher;
Eu não preciso que você segure a minha mão;
Eu não preciso que você me proteja;
E eu não quero mais tesouros;
Não, não vou dizer o que eu estou vestindo;
Não, não vou tirar a parte de cima da minha roupa;
E não, não estou aqui pra você descascar a banana;
Eu tô aqui pra jogar!
Tô aqui pra pwnear;
t0 4qu1 pr4 0wn4r;
Não importa se eu sou gostosa;
Não importa se eu estou naqueles dias;
Não importa se eu gosto de garotos ou garotas;
Não me julgue baseado no meu nick, avatar ou voz;
Eu te julgo por ser um cara? Não.
Se eu me importo com o tamanho da sua espada? Não.
Só estou aqui para capturar a bandeira;
Só estou aqui para completar a missão “Traga a Luz!”;
Só estou aqui para snipear você da torre do sino;
Não, não sou um dos garotos – e nem você!
Online, estamos todos no mesmo time – somos gamers;
Me julgue pela minha habilidade de chutar bundas!
Me julgue pela minha habilidade de falar besteira!
Me julgue pela minha habilidade de liderar uma raid!
Me julgue pela minha habilidade de pnwear um n00b!
Sempre existirão babacas no mundo, eu sei disso.
Mas você não precisa ser um deles.
Lidere pelo exemplo: não seja racista, não seja homofóbico, não seja sexista!
E quando alguém quebrar esse código ou te encher o saco por ter ficado firme no que acredita, você sabe que tipo de jogador ele é. E que tipo de jogador é você?

Tá na hora de amadurecer e parar de achar que o mundo gira ao redor do umbigo (ou deveria dizer outra característica física que seja mais característica do homem?) e descobrir que as garotas gostam de games simplesmente por gostarem. Que elas têm todo o direito de se divertirem no que quiserem, e que têm capacidade o suficiente pra darem um pau em qualquer marmanjo caso queiram. Inclusive, parabéns a vocês homens que têm uma conduta adequada ao lidarem com uma mulher in-game: nem assediando nem trollando, simplesmente tratando como outro ser humano como você. Vocês amadureceram ao ponto de respeitarem o outro como ele é, caminho que deveria, na verdade, ser senso comum. Sugiro a todos – homens ou mulheres – que sigam rota semelhante quando o assunto for diferenças entre gêneros.

Ou isso, ou a Tia vai ter que chamar seus pais por estar mordendo o(a) coleguinha novamente!

Um pouco mais sobre Game girl você encontra em : http://cidadegamer.com.br/2013/01/18/podcast-cidade-gamer-garotas-que-jogam-videogame/