Se você acha que não há mais o que se fazer quando se fala em zumbi, recomendo que leia A menina que tinha dons, com certeza você vai se surpreender tanto quanto eu.
Obra que inaugurou o selo Fábrica 231 da Editora Rocco, A menina que tinha dons é também a obra de estreia de M. R. Carey, pseudônimo de Mike Carey, conhecido por ser roteirista de quadrinhos como X-Men e Hellblazer.
Acredito que por ser roteirista, Carey conseguiu apresentar muito bem seu universo pós-apocalíptico, deixando algumas informações primordiais para serem contadas mais tarde, dando um tom de suspense e estranheza a tudo em volta de Melanie.
Melanie é uma garotinha de 10 anos que vive numa base militar. Mas ela não é uma garotinha comum, longe disso, ela e todos os seus colegas vivem constantemente amarrados, e no começo não se sabe muito bem por que. Cada capítulo é contado sob a perspectiva de uma personagem diferente, então aos poucos vamos ganhando peças para montar o quebra-cabeças de Carey.
Aconteceu há 20 anos, uma epidemia transformou os seres humanos em famintos – sim, de todas as 384 páginas, lembro de ter visto a palavra “zumbi” mencionada apenas uma vez – os sobreviventes estão instalados longe da base, e nesta base funciona um centro de pesquisas sobre o fungo Ophiocordyceps unilateralis (que originalmente zumbificavam apenas formigas).
Além de Melanie, temos outros personagens conduzindo a narrativa, como o sargento Parks, a cientista Dra. Cadwell e a professora das crianças, a Srta. Justineau. Mas as coisas começam a ficar interessantes quando os lixeiros – não-famintos que virem em áreas desprotegidas – invadem a base de uma forma super épica (foi genial!) e os quatro personagens, acompanhados pelo soldado Gallagher precisam fugir para encontrar a proteção de Beacon.
Logo que as coisas começam a se esclarecer, dá para perceber que Melanie é uma faminta, mas porque ela tem consciência e é super inteligente é o motivo para a base existir e ter outras crianças na mesma condição terem estado presas por todo esse tempo. E esse é o grande objetivo da Dra. Cadwell: descobrir porque o fungo não fez com essas crianças o que fez com os famintos.
É muito difícil não criar empatia por Melanie, principalmente quando ela se mostra tão amorosa com a Srta. Justineau, por quem ela nutre uma verdadeira admiração. Dra. Cadwell é desprezível, ninguém a suporta. Já o sargento Parks tem uma mudança na sua postura ao longo da jornada que faz com que a gente torça por ele no final.
A menina que tinha dons tem um final inesperado e bizarro. É uma narrativa de sobrevivência, super plausível com o que pode acontecer à humanidade caso o Ophiocordyceps sofresse uma mutação capaz de parasitar humanos. É uma narrativa gostosa, bem balanceada na ação e no drama. Um verdadeiro refúgio em meio às inúmeras distopias e obras pós-apocalípticas.